O Cântico da Libertação e Gratidão
A vida, em sua essência, é uma sucessão de desafios, de momentos em que nos sentimos à beira do abismo, cercados por forças que parecem prontas para nos engolir. É nesse cenário de aparente desamparo que o Salmo 124, um cântico de Davi e parte da rica coleção dos “Cânticos dos Degraus” (Salmos 120-134), ressoa com um brado de alívio e gratidão. Este Salmo de peregrinação, entoado por aqueles que subiam a Jerusalém para as grandes festividades anuais, é um testemunho da inabalável fidelidade de Deus em face das ameaças mais terríveis.
Davi, o salmista, inicia sua canção com uma declaração que é um suspiro de alívio e um grito de reconhecimento: “Não fosse o Senhor que esteve ao nosso lado, Israel que o diga, não fosse o Senhor que esteve ao nosso lado quando os homens se levantaram contra nós, e nos teriam engolido vivos.” Essa repetição não é vã; ela sublinha a magnitude do perigo e a grandeza da libertação. Como Martinho Lutero observou sobre essa passagem, o medo é imensurável no perigo, mas quando ele passa, tendemos a diminuí-lo. É o engano do inimigo, que tenta obscurecer a graça de Deus.
Neste e-book, mergulharemos nas profundezas do Salmo 124, desvendando as metáforas vívidas que Davi usa para descrever o terror dos inimigos e a gloriosa intervenção divina. Veremos como a providência de Deus se manifesta em livramentos que parecem impossíveis, transformando situações de desespero em hinos de louvor. Que esta jornada pelas Escrituras edifique sua fé e o prepare para reconhecer o socorro do Criador em cada “passo” de sua própria peregrinação.
A Ameaça dos Inimigos Humanos
Davi inicia o Salmo 124 com uma vívida descrição das ameaças que Israel enfrentou. “Não fosse o Senhor que esteve ao nosso lado, Israel que o diga, não fosse o Senhor que esteve ao nosso lado quando os homens se levantaram contra nós…” A ênfase é nos “homens”, nos adversários de carne e osso, que se levantaram com uma fúria tão intensa que, sem a intervenção divina, teriam “engolido vivos” o povo de Deus. Spurgeon comenta que a ira é mais ardente quando o povo de Deus é o alvo. Faíscas se transformam em chamas, e a fornalha se aquece sete vezes mais, como no caso de Nabucodonosor com os amigos de Daniel.
Quem nunca sentiu o hálito desse “monstro”, dessa força terrificante capaz de abocanhar vidas inteiras? Na Bíblia, sistemas humanos e reinos são frequentemente comparados a bestas, a leviatãs. Daniel, em sua visão, descreve monstros que esmagam, devoram e espezinham tudo (Daniel 7). O Livro de Jó (41) e Isaías (27:1) apresentam o Leviatã como uma criatura primitiva, uma serpente veloz e sinuosa, um dragão que habita no mar. Para muitos estudiosos, o Leviatã é mais do que um animal; é uma entidade espiritual, um principado que fomenta divisões e guerras.
O Espírito de Divisão e a Estratégia do Crocodilo
O espírito do Leviatã opera através da ofensa, da raiva, do desacordo e da desunião, distorcendo o significado de ações inocentes e transformando-as em malícia. Sustenta-se pela suspeita, torcendo tudo o que é dito para promover divisões – em casamentos, parcerias, famílias, e até mesmo na igreja. Pobre contra rico, homem contra mulher, jovem contra velho, negro contra branco, Sul contra Norte. O Leviatã, como o crocodilo do Nilo, age principalmente pela boca, pela mandíbula. Ele morde, leva para a água e, com o “giro da morte”, arranca e desmembra suas vítimas.
Quantos relacionamentos em sua vida foram desmembrados por esse espírito? Amizades desfeitas, famílias fragmentadas, parcerias rompidas. Quando Deus nos une a alguém, a unção é fortalecida por ligamentos e articulações. A dor das rupturas, dos ligamentos partidos, é excruciante. Pessoas com um histórico de rupturas em todas as esferas de sua vida frequentemente se encontram isoladas. O sucesso, muitas vezes, é feito de conexões, e ao perder as pessoas que Deus enviou, corremos o risco de perder nosso destino.
O inimigo se encarna em homens, e sua fúria se manifesta através de perseguições, difamações e traições. Mas a gloriosa verdade é que, quando Deus está ao nosso lado, são eles que tropeçam e caem. Não há monstro nesta vida que possa nos engolir. A inveja e o ciúme, que levaram Caim a matar Abel, os irmãos a vender José e os fariseus a entregar Jesus, são espíritos que tentam desacreditar quem se levanta e alcança algo. É preciso discernir o Leviatã por trás da mordida, mesmo que pareça inofensiva, e quebrar o poder que nos leva a odiar, a viver em ressentimento e a distorcer a realidade.
Isaías 59:19 profetiza que, embora as torrentes impetuosas possam vir, impelidas pelo Espírito do Senhor, elas não terão a capacidade de nos afogar. Como Isaías 43:2 promete: “Quando passares pelas águas, eu serei contigo; e quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama1 arderá em ti.” Você passará para o outro lado desse rio, para uma zona livre de leviatãs.
As Águas Impetuosas – A Torrente que Tentou Submergir a Alma
A segunda metáfora que Davi usa para descrever o perigo é a de uma torrente de águas. “As águas nos teriam submergido, e sobre a nossa alma teria passado a torrente; águas impetuosas teriam passado sobre a nossa alma.” A ênfase é na alma, não apenas no corpo físico. A água como força destrutiva é uma imagem recorrente na Bíblia, representando enchentes avassaladoras, dilúvios que tudo engolfam.
As “águas soberbas ou impetuosas” simbolizam problemas que nos engolem, nos devoram, nos sobrecarregam como uma inundação, nos arrastam como uma torrente. O salmista reconhece que, sem o Senhor, seu destino teria sido o daqueles que são arrastados sem controle.
Asfixia Espiritual e Atmosfera Tóxica
Conheço pessoas que foram arrastadas por essas torrentes. Os problemas que nos engolem, os que sobrecarregam, são as águas que nos asfixiam e tiram nossa respiração. O inimigo trabalha para criar uma atmosfera tóxica ao nosso redor, inundando-nos de hostilidade, especulação, revolta, amargura e ressentimento. Podemos estar vivendo em um “habitat” que não é nosso, um ambiente insalubre para a alma.
A estratégia demoníaca é provocar sentimentos hostis e destrutivos uns contra os outros. O inimigo planta pensamentos em nossa mente, e se não aprendermos a andar no amor sobrenatural de Deus, seguiremos a frequência da polarização pessoal, religiosa e política. Quando o Leviatã não consegue desmembrar suas vítimas, ele tenta afogá-las, puxando-as para dentro de seu reino para cortar o oxigênio. Muitos “leões” (pessoas fortes na fé) perdem o ar, são asfixiados por situações que os oprimem.
Uma enxurrada de pensamentos negativos e inesperados, um ambiente de acusação, culpa e condenação – este é o ambiente do Leviatã. Satanás, o acusador dos irmãos, busca criar antagonismo e colocar uns contra os outros. Infelizmente, em alguns lugares que se autodenominam “igreja”, encontramos fragmentos do inferno, onde a crítica, a competição e o ódio prevalecem. O inimigo é especialista em criar mal-entendidos, onde emoções estão mais altas que a razão, destruindo relacionamentos.
A inveja é um espírito que apodrece os ossos e flui em ambientes onde pregadores têm ciúmes da audiência alheia, ou onde o sucesso de alguém desperta um espírito de ataque e desacreditação. Jesus foi entregue por inveja; Caim matou Abel por ciúmes; José foi vendido pelos irmãos por inveja. Você se torna um alvo quando se eleva acima do comum. É preciso discernir o Leviatã por trás da mordida que nos divide e quebrar esse poder que nos faz odiar e distorcer a verdade sobre as pessoas.
Mas a promessa permanece: “Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu. Quando passares pelas águas, elas não te afogarão; quando passares pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti” (Isaías 43:1-2). Você vai passar para o outro lado desse rio, para uma zona livre de leviatãs, livre de ambientes tóxicos que buscam te engolfar.
As Garras da Fera e as Redes do Caçador – Livramento Total
A terceira metáfora fala de ser arrancado das garras e dos dentes das feras. “Bendito o Senhor, que não nos deu por presa aos dentes deles!” Esta não é a imagem do monstro que engole vivo, mas de uma fera com dentes afiados, pronta para rasgar e destruir suas vítimas em pedacinhos. Alguém disse que o oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença. E a indiferença quer matar em pedacinhos, quer fazer picadinho, quer ferir na unha.
Se o Senhor não estivesse ao nosso lado, teríamos sido dilacerados, estraçalhados, triturados e despedaçados pela calúnia, pelo desprezo e pelo desdém. Mas “bendito é o Senhor que não nos deu por presa aos dentes deles!” Ele é o nosso libertador, que nos livrará de toda obra maligna e nos levará salvos para o Seu reino celestial.
A Quebra do Laço – Libertação Total
A quarta e última metáfora é a do livramento como uma ave inocente salva das redes do caçador. “Salvou-se a nossa alma como um pássaro do laço dos passarinheiros; quebrou-se o laço, e nós nos vemos livres.” O Salmo termina com um grito de vitória, de que escapamos da armadilha posta pelo caçador. A mandíbula do inimigo foi quebrada; o que ele tentou fazer, caiu por terra. Eles conspiraram, mas caíram diante de nós.
O laço serve para nos impedir de voar, para aprisionar, limitar nossos movimentos, tirar nossa liberdade e impedir nosso potencial. Muitas pessoas se sentem presas por laços, impedidas de se desenvolver, de exercer sua verdadeira natureza. A armadilha é feita para amarrar, para manter em cativeiro. Quantos se sentem emperrados, sem avançar, presos por um laço invisível?
O caçador de pássaros, o diabo, tem muitos métodos para capturar almas. Alguns são atraídos por más companhias, outros são seduzidos pela cobiça, pelo egoísmo, pelo prazer momentâneo. A fome pode levar muitos à armadilha, e o medo pode impulsionar outros diretamente para a rede. Pessoas presas por laços de alma (relacionamentos inadequados, intimidade com quem não deveria), laços de compromissos mundanos, laços de ligações escusas ou sociedades malfeitas, acabam perdendo sua liberdade e seu potencial. Muitos quebraram a cara por fazerem pactos com a escuridão, e o inimigo veio reivindicar suas vidas.
Mas a promessa de Isaías 28:18 é clara: “A vossa aliança com o inferno não subsistirá.” O laço do passarinheiro foi quebrado! Todas as cordas que nos prendem, quebrem-se! Todas as correntes, caiam por terra! Todo nó que prende sua vida a uma existência menor, desfaça-se! Seja ele de aço, de pedra, de fibra, o laço foi quebrado! Deus nos chama para as alturas. O céu é nosso; o infinito nos pertence. Os horizontes azuis são nossa morada. Somos livres para viver o sonho que Deus tem para nossa vida.
A alma cativa, como um pássaro do laço dos passarinheiros, é liberta. “Escapamos como um pássaro da armadilha do caçador; a armadilha foi quebrada, e nós escapamos livres.” João Wyclif, em sua tradução, enfatizava: “Senhores, quebrou-se o laço!” Com toda a nossa alma, podemos proclamar: “Quebrou-se o laço!” Todas as cordas que nos prendem, todos os nós que limitam nossa existência, toda a amarra que impede nosso voo – foram quebradas em nome de Jesus!
O Socorro do Criador – Uma Glória Perpétua
O Salmo 124 culmina em um brado de louvor e reconhecimento. As nações buscavam ajuda em suas supostas divindades, mas Israel cria no Criador, o mesmo Deus que fez o céu e a terra, e que os ajudou a chegar até aqui. Ele é o mesmo que os levará adiante amanhã. Ele é o Criador do universo, dos quasares, das supernovas. Ele é quem vai curar seu corpo, redimir sua alma, completar a boa obra que começou. Ele é quem vai quebrar os laços que o inimigo armar e quem vai trabalhar por você que Dele espera.
Como Spurgeon disse, se Ele criou tudo o que vemos, não pode nos preservar dos males que não podemos ver? E Ele está fazendo isso continuamente. Ele nos livrou de tantas coisas, e continuará a nos livrar, a nos proteger e a nos guardar. Se Deus não fosse conosco, não teríamos qualquer possibilidade de escapar dos perigos ocultos da vida, nem poderíamos enfrentar inimigos que parecem invencíveis. As metáforas de monstros que engolem vivos, águas de inundações e dilúvios, e feras que trituram, ilustram a magnitude do perigo.
Mas a versão da Passion nos lembra: “Pois o mesmo Deus que fez todas as coisas, nosso Criador e nosso poderoso Senhor, Ele mesmo é o nosso Ajudador e Defensor.” Quantos estão felizes por ter um Deus assim? O Criador do universo, Ele é seu Pai, seu Deus, seu Ajudador, seu Protetor, seu Senhor.
O Salmo termina como começa, com uma declaração de confiança e ação de graças: “O nosso socorro está em o nome do Senhor, criador do céu e da terra.” Esta estrofe final era cantada por todos os peregrinos. Em meio à falsa confiança do mundo, que confia em carros ou cavalos, nosso socorro está em um nome que transcende toda força criada. Nenhum braço humano, nenhuma força terrena pode nos salvar do dilúvio crescente que acomete esta nação. Mas o nosso socorro está no nome do Senhor nosso Deus, e Ele agirá por essa nação. Existe uma solução vinda do céu, uma resposta para o Brasil.
Levantemos os olhos e declaremos com fé inabalável, como no Salmo 91: “Porque a mim se apegou com amor, eu o livrarei a salvo; porque ele conhece o meu nome. Ele me invocará, e eu lhe responderei; na sua angústia estarei com ele, livrá-lo-ei e o glorificarei. Com longevidade o satisfarei e lhe mostrarei a minha salvação.”
O nosso socorro está em o nome do Senhor, criador do céu e da terra. Amém.
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