Vivemos em um tempo no qual damos muito: tempo, esforço, palavras, serviço. No entanto, muitos enfrentam dificuldades para fazer a transição entre o dar e o receber. À medida que o conhecimento aumenta, cresce também a exigência intelectual. Tornamo-nos mais críticos, seletivos e, em alguns casos, restritos demais para receber. Isso pode ser positivo, mas também pode nos roubar a capacidade de sermos ministrados.
A Bíblia apresenta exemplos claros dessa postura de humildade e abertura. Em Gênesis 14:18, Abraão, um homem de altar, intercessão e intimidade com Deus, chamado de amigo de Deus, retorna vitorioso de uma guerra contra três reis. Mesmo em posição de conquista e autoridade, ele se submete ao sacerdote, a quem entrega o dízimo e de quem recebe pão e vinho. Ele não perdeu a capacidade de ser ministrado, mesmo por alguém que, aparentemente, possuía menos. Outro exemplo é Moisés. Líder de milhões, boca de Deus na Terra. Ainda assim, ele ouve o conselho de Jetro, um homem simples, e sua vida é transformada. Moisés, mesmo tendo comunhão direta com Deus, não perdeu a capacidade de receber direção.
Não se trata do grau de comunhão ou da intelectualidade de quem ministra, mas da disposição interior de quem ouve. Um coração simples e sedento permanece ensinável, mesmo diante de verdades já conhecidas. Essa é a postura que sustenta uma vida espiritual saudável.
Vivemos hoje em uma geração hiperestimulada, que necessita de constantes estímulos: mais informações, mais revelações, mais entretenimento. Consumimos conteúdos em velocidade absurda, vídeos, podcasts, mensagens, mas, muitas vezes, não praticamos nem 20% do que já recebemos. Esperamos a nova palavra, a nova unção, mas ignoramos os fundamentos.
O apóstolo Paulo alertou: “Receio que, assim como a serpente enganou Eva com sua astúcia, a mente de vocês seja corrompida e se desvie da simplicidade e pureza devidas a Cristo.” (2 Coríntios 11:3) O que nos mantém firmes não são as novidades, mas os fundamentos, aquelas verdades básicas que sustentam a estrutura da fé, ainda que invisíveis, ainda que simples. O que sustenta uma construção não é a beleza externa, mas os alicerces ocultos.
Vivemos em uma cultura onde existe uma pressão constante por apresentar sempre a “última revelação”. Isso gera uma dificuldade crescente em voltar às verdades básicas do Evangelho. Porque, de alguma forma, tememos ser julgados por não trazer algo extraordinariamente novo. Estamos nos destruindo no altar do perfeccionismo, lutando em nossos púlpitos para trazer uma palavra que nunca foi dita, de uma forma que nunca foi falada. No entanto, o Evangelho continua sendo poderoso quando pregado com paixão e amor, mesmo que a mensagem seja a mesma. Deus continua a impactar congregações por meio da mesma verdade eterna.
O crescimento intelectual pode nos tornar exigentes demais com palavras, atmosferas e líderes. Isso gera frieza espiritual. O coração deixa de se quebrantar com facilidade. E Jesus foi claro:
“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.” (Mateus 5:3)

A humildade espiritual como caminho de profundidade
Quanto mais humildes e ensináveis formos, mais receberemos do Espírito. Um coração faminto transforma frases simples em sermões profundos. O problema não é a falta de revelação, mas o abandono da simplicidade do Evangelho. Deus não responde à exigência Ele responde à fome genuína.
Os discípulos receberam o Espírito Santo com um sopro. Já Tomé precisou de provas. E Jesus disse: “Bem-aventurados os que não viram e creram.” A verdadeira bem-aventurança está em crer com facilidade, em permanecer acessível, em ser quebrantável. Deus honra a fome, não a exigência.
Quando líderes exigiram um sinal para crer, Jesus respondeu: “Nenhum sinal será dado.” Sinais não se impõem discernem-se. E quem não muda pelo que já foi revelado, tampouco mudará com algo novo. O novo de Deus é recompensa para quem ainda se quebranta com o antigo.
Voltar às veredas antigas
Essa cultura de superestímulo precisa ser resistida. É necessário revisitar aquilo que um dia nos moveu. Não espere por algo novo para, então, mudar. Já temos tudo o que precisamos para viver em plenitude. A felicidade espiritual não está no perfeccionismo, mas em desfrutar a caminhada com Deus. O entusiasmo pelos caminhos antigos precisa ser redescoberto. “Ponde-vos nos caminhos, olhai e perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por ele, e achareis descanso para a vossa alma.” (Jeremias 6:16)
O descanso não está na busca desenfreada por algo novo, mas na consolidação dos princípios eternos. O descanso está em fazer o básico com fidelidade, em manter a alma faminta e em honrar a simplicidade.
A igreja local como lugar de profundidade
Este tempo de congressos, eventos e ministrações é precioso, mas não pode ser o único tempo de receber de Deus. A sua igreja local deve ser o lugar onde você mais se alimenta espiritualmente. Ouça seus irmãos, receba com humildade, seja ministrado pela comunidade que caminha com você.
Muitas vezes, estamos diante de “poços profundos” pessoas e lugares cheios da presença e dos dons de Deus, mas, por não discernirmos espiritualmente, deixamos de receber. É necessário reconhecer que, no ambiente onde servimos, também podemos ser alimentados. Servir é importante, mas estar à mesa, participando e se alimentando daquilo que Deus está fazendo, também é essencial.
Jacó, ao ter um sonho no qual via uma escada que ligava a terra ao céu, com anjos subindo e descendo, declarou: “O Senhor está neste lugar, e eu não sabia!” (Gênesis 28:16–17) Ele, então, chama aquele lugar de “porta dos céus”. A porta do céu se abre quando há percepção espiritual. Muitas vezes buscamos uma porta do céu para nossas vidas, mas ela se manifesta quando reconhecemos que Deus já está presente e agindo.
Há Esperança: Ao Cheiro das Águas
O livro de Jó traz uma promessa que nos enche de esperança:
“Há esperança para a árvore que, se for cortada, ainda se renovará, e os seus renovos não cessarão. Se envelhecer na terra a sua raiz, e morrer o seu tronco no pó, ao cheiro das águas brotará e dará ramos como planta nova.” (Jó 14:7–9)
Muitas pessoas dizem que a água não tem cheiro, mas isso não é verdade. A água tem, sim, um cheiro. Existem animais que conseguem senti-lo a até 200 quilômetros de distância. Nós, seres humanos, não conseguimos percebê-lo com nossos sentidos naturais, mas há sentidos mais apurados, criados por Deus, que conseguem captar o cheiro das águas.
Há esperança para uma árvore cortada. O tronco está no chão. Mas o texto nos diz: há esperança quando deixamos de exigir demais. Há esperança de renovação no ministério, de um novo tempo na vida espiritual, quando paramos de impor condições. Às vezes, basta o cheiro das águas para que a transformação comece. A simples percepção de que algo está vindo da parte de Deus deve ser suficiente para nos alegrar e encher o nosso coração. Precisamos cessar as imposições intelectuais ao mover de Deus. Voltar a nos entregar como um dia nos entregamos. Mergulhar como já mergulhamos. Ser acessíveis ao Espírito como antes.
Deus está perto. Não é necessário muito, basta uma palavra, e tudo pode mudar. Basta uma percepção, e nossos sentidos espirituais se despertam. Que possamos nos posicionar novamente no lugar da devoção, da entrega e da sensibilidade. Que não percamos a simplicidade de perceber a presença de Deus. Ao cheiro das águas, tudo pode florescer outra vez.