Embarcamos agora em uma jornada através do Salmo 129, um cântico de romagem, uma melodia que ecoava nos corações dos peregrinos a caminho de Jerusalém. Em seus oito versículos concisos, encontramos a voz de um indivíduo, e por extensão, de todo o Israel, que compartilha uma história marcada pela angústia e pela perseguição desde a juventude. Este Salmo nos convida a refletir sobre a natureza do sofrimento, a resiliência da fé e a justiça divina que, em última instância, prevalece sobre a maldade. Ao explorarmos estas palavras antigas, buscaremos nelas conforto, força e uma perspectiva renovada sobre as provações que enfrentamos.
A Marca da Angústia e o Brado da Vitória
O Salmo 129 se inicia com uma confissão franca e repetida: “Muitas vezes me angustiaram desde a minha mocidade, Israel que o diga; muitas vezes me angustiaram desde a minha mocidade;1 todavia, não prevaleceram contra mim.” Nestas palavras, ressoa a experiência de um ser humano que, como muitos de nós, carrega as cicatrizes de lutas e crises desde os primeiros anos de vida. Quem, afinal, atravessa este mundo sem ser ferido, sem ser alvo de problemas, de sofrimentos, de dores, de acusações injustas? A condição humana parece intrinsecamente ligada à experiência da adversidade.
A grande diferença reside em como escolhemos lidar com essas histórias. Elas podem se tornar uma plataforma para o desenvolvimento de anticorpos espirituais, fortalecendo-nos para prevalecer, ou podem nos aprisionar em uma experiência traumática, limitando nosso crescimento e potencial. O salmista, com a repetição da frase “muitas vezes me angustiaram desde a minha mocidade”, enfatiza a frequência e a longevidade do seu sofrimento. Ele foi oprimido, pressionado, ferido, maltratado – um recipiente de infelicidades e de memórias dolorosas.
No entanto, a chave para a sua superação reside na pequena, mas poderosa palavra: “todavia”. Esta conjunção adversativa marca uma mudança crucial no curso do seu relato. Se chegamos ao fim de nossas experiências de dor sem um “todavia”, um, “porém”, um, “entretanto”, permanecemos apenas vítimas. Mas o, “todavia” expressa uma reviravolta, uma declaração de que, apesar de tudo, a derrota não foi o resultado. Assim como Paulo, que em tudo foi atribulado, mas não angustiado; perplexo, mas não desanimado; perseguido, mas não desamparado; abatido, mas não destruído, o salmista encontra força para declarar: “não prevaleceram contra mim.”
Esta é a primeira grande lição deste Salmo: o poder das adversativas em nossa jornada. Podemos reconhecer a dor, mas escolher não ser definidos por ela. Podemos sentir a ofensa, mas optar pelo perdão. Podemos enfrentar a falta de reconhecimento, mas continuar servindo com integridade. O, “todavia” nos permite levantar-se, mesmo cansados, e seguir em frente, mesmo que o progresso seja lento. É a declaração de que a última palavra não pertence à dor, mas à nossa decisão de perseverar.
Essas lembranças dolorosas, quando não tratadas, podem se tornar fontes de infecção emocional, gerando inflamação e enfermidade na alma. É surpreendente o número de pessoas feridas, perturbadas e afetadas por experiências passadas. Mas o salmista nos oferece um brado de vitória interior: “não prevaleceram contra mim.” Ele não saiu ileso, mas, apesar do sofrimento, venceu. Carrega em si uma mistura de tristeza e determinação que o impulsiona adiante. Como expõe Spurgeon, embora dolorosamente abatido, o seu coração permanece intacto, recusando-se a ceder ao inimigo. Ele desafia a narrativa da derrota, banqueteando-se na presença dos seus adversários, certo de que Deus preparará uma mesa de vitória diante deles.
A segunda lição crucial que emerge deste Salmo é a importância de ter testemunhas que possam falar por nós. O salmista invoca Israel: “Israel que o diga.” Sua dor era pública, manifesta, notória. Suas agonias e lágrimas eram conhecidas. Assim como Jesus apontou para o testemunho de João Batista, das Escrituras, de Suas obras e do Pai, precisamos nos perguntar: quem pode testemunhar por nós? Quem conhece nossa vida o suficiente para nos defender, para falar a nosso favor?
O salmista descreve sua dor com uma linguagem forte e visceral: “Sobre o meu dorso lavraram os aradores; nele abriram longos sulcos.” A versão da Passion traduz: “Eles nos machucaram mais do que se pode expressar… nos despedaçando e cortando profundamente as nossas almas.” A imagem do arado, com suas pontas agudas e penetrantes, rasgando e dilacerando a terra, aplicada às suas costas, evoca um ataque traiçoeiro e marcas profundas. Falar sobre a dor é um caminho para a cura, mas deve ser feito no tempo certo, por aqueles que já foram curados ou estão nesse processo. Aos que espalham amargura, o texto adverte para que ninguém se prive da graça de Deus e para que nenhuma raiz de amargura os perturbe, contaminando a muitos. O que nos prende não é a opressão externa, mas a amargura interna, a hemorragia da alma. O mal não é o que fazem conosco, mas o que permitimos criar raízes em nosso espírito. O salmista, ao compor seus dramas com notas de triunfo, nos ensina a falar do passado doloroso com a certeza de que Deus, afinal, fará justiça. Podemos declarar o que vivemos, acentuando, todavia, que a dor não prevaleceu.
A Justiça Divina e a Esterilidade da Amargura
A terceira lição que este Salmo nos oferece é que a verdade é filha do tempo. Às vezes, não precisamos apresentar nossa versão da história; o tempo, os frutos e os resultados falarão por si mesmos. O versículo 4 proclama: “Mas o Senhor é justo; cortou as cordas dos ímpios.” O salmista não culpa a Deus pelo sofrimento, mas agradece pelo livramento e pela libertação, reconhecendo a justiça divina mesmo em meio à batalha. Como Jó, que não pecou com palavras em meio à sua provação, o salmista confia na justiça de Deus para cortar as cordas dos ímpios.
Esta é uma boa notícia para aqueles que se sentem oprimidos e injustiçados. Deus não é indiferente ao nosso sofrimento, e Ele limitará o poder daqueles que nos afligem. O salmista, apesar de ter sido profundamente ferido, enfrenta o passado, encara o presente e projeta um futuro de esperança. Em vez de se vitimizar, ele reconhece que todos enfrentamos lutas, e Deus nos dá a força para suportá-las e um escape no tempo certo.
Aqueles que sabem fazer as contas espirituais, que compreendem a matemática divina, reconhecem o destino daqueles que se movem pela soberba, pela amargura e pelo ódio. A ruína precede a soberba, e a quebra precede o espírito altivo. O universo é governado por um Deus santo e justo, e, no final, aqueles que persistem na maldade colherão o que plantaram. Pode parecer que a justiça demora, mas, como nos lembram os Salmos 37 e 73, a prosperidade dos perversos é passageira, como a relva que murcha. Ao entrarmos no santuário de Deus, discernimos o fim daqueles que se exaltam em sua maldade – eles são colocados em lugares escorregadios e caem na destruição.
Após abrir o coração e reconhecer a justiça divina, o salmista é capaz de ver a vida com bons olhos, sem o viés da ferida. Suas lentes estão limpas para o futuro, pois não há futuro enquanto não lidarmos com o passado. A questão do olhar é fundamental: se nossos olhos forem bons, todo o nosso corpo terá luz. Precisamos aprender a celebrar o sucesso dos outros, em vez de invejá-los.
Neste ponto, o Salmo assume uma perspectiva imprecatória, uma declaração profética do destino dos ímpios: “Sejam envergonhados e repelidos todos os que aborrecem a Sião.” Sião representa a igreja, a causa de Deus no mundo. Aqueles que a odeiam, odeiam a Deus, ao Seu Rei e aos Seus súditos. O salmista, com realismo e sem contemporizar, declara o óbvio: o algoritmo da vida aponta para a vergonha e a repulsa daqueles que se opõem ao povo de Deus.
Precisamos discernimento para reconhecer e resistir às forças espirituais por detrás daqueles que se levantam contra o povo de Deus. Há um exército invisível em batalha, e nem sempre o que nos ataca é apenas carne e sangue. Alguns se tornam instrumentos de agendas demoníacas, semeando destruição e contenda. Mas a verdade permanece: Deus está contratando pessoas para a Sua seara, e o diabo também busca seus agentes. A escolha é nossa.
A quarta lição crucial deste Salmo é a constatação de que as pessoas amargas acabarão sem frutos duradouros. O salmista utiliza uma metáfora poderosa: “Sejam como a erva dos telhados, que seca antes de florescer.” Essa imagem evoca algo superficial, sem profundidade, incapaz de lançar raízes. Aqueles que se fixam em posições elevadas, mas desconectados da humildade e da realidade, não terão uma colheita satisfatória. A grama do telhado, embora aparente estar acima dos outros, murcha rapidamente sob o calor intenso, por falta de umidade – a mesma raiz da palavra humildade e, curiosamente, do humor. Sem humor, falta a umidade essencial para a vida e o crescimento.
Essa erva do telhado é evidente, pública, mas passageira, temporária. Seca antes de florescer, tornando-se inútil para o ceifeiro: “com a qual não enche a mão o ceifeiro, nem os braços o que ata os feixes.” Não há fruto, não há colheita significativa. Aqueles que se deixam vencer pelo ódio e pela amargura perdem o foco na vida, presos à dor do passado, incapazes de construir um futuro frutífero. A vida passa rapidamente, sem que realizem seu potencial.
A Falta de Bênção e o Caminho da Cura
Finalmente, o versículo 8 traz uma consequência triste para aqueles que vivem na amargura: “Também os que passam não dizem: A bênção do Senhor seja convosco; nós vos abençoamos em nome do Senhor.” Na cultura judaica, era costume abençoar aqueles que trabalhavam na colheita. Era uma troca de bênçãos, um reconhecimento da presença e da bondade de Deus. Assim como Rute testemunhou a saudação de Boaz aos segadores, havia uma expectativa de que a bênção do Senhor fosse proferida sobre o trabalho e a vida das pessoas.
A negligência em oferecer essa saudação de bênção era considerada um insulto, uma desonra. Mas o homem ímpio, consumido pela amargura, não deseja a paz nem a prosperidade do outro, e, por sua vez, não é abençoado. As pessoas são conhecidas por seus relacionamentos mais próximos. Aqueles que vivem isolados, amargurados, muitas vezes erram sozinhos, sem a confrontação amorosa e a verdade que vêm de amigos verdadeiros.
Os povos antigos acreditavam no poder das bênçãos para influenciar positivamente a vida. Hoje, sabemos que palavras bondosas e um ambiente de paz podem até mesmo afetar o crescimento das plantas. Um lar cheio de contenda e amargura dificulta a prosperidade.
A versão da Passion traduz este versículo: “Ninguém que os veja diga: Que as bênçãos de Javé estejam sobre a sua vida! Que o Senhor te abençoe!” Há pessoas hoje sem ninguém para lhes dar uma bênção genuína, cercadas apenas por cúmplices, não por amigos verdadeiros.
Saul buscou uma necromante por não ter mais profetas amigos. Esaú desprezou a bênção de seu pai. Jacó abençoou seus filhos com bênçãos proféticas. A bênção dos pais e dos líderes tem um poder significativo. Aqueles que lançam maldições sobre os outros colherão desonra e não serão abençoados.
Spurgeon observa que os maus florescem para perecer, aparentes em sua posição, invejados em sua prosperidade, mas efêmeros e vazios de bênçãos verdadeiras.
Lembremo-nos da promessa a Abraão: “Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra”1 (Gênesis 12:3). Abençoar aqueles que andam com Deus traz bênção sobre nós mesmos. Amaldiçoar pode trazer um efeito bumerangue indesejado.
Portanto, confrontemos a amargura e o ódio em nossas vidas e nas vidas daqueles ao nosso redor. Liberemos o passado, restituamos o que for necessário e abençoemos a colheita dos outros. Criemos um ambiente de bênção mútua, onde a saudação seja: “O Senhor seja convosco”, e a resposta: “O Senhor te abençoe.”
Abençoar é uma maneira poderosa de destruir o aguilhão do mal. Lembremo-nos da bênção sacerdotal em Números 6:24-26: “O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha2 misericórdia de ti; o Senhor levante sobre ti o seu rosto e te dê a paz.”3 Que esta bênção esteja sobre cada um de nós.
Deus se lembra de nós e nos abençoará, abençoará a casa de Israel, a casa de Arão, os que temem o Senhor, tanto grandes como pequenos. Que o Senhor nos multiplique, a nós e aos nossos filhos. Sejamos benditos do Senhor que fez os céus e a terra.
Pai, oramos para quebrar os nós da amargura e do ressentimento em nossos corações. Liberamos o passado e nos preparamos para restituir honra e respeito onde falhamos. Declaramos uma bênção sobre a colheita dos Teus filhos, crendo em uma farta e abundante provisão. Que o Senhor seja conosco e nos abençoe. Amém.
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